QUEIMA DO JUDAS 2023
Vila do Conde
Testamento
Leio agora o meu testamento
Para ficarem a saber
Que venho aqui desculpar -me
Pelo que andei a fazer.
Já que este fogo me espera
Aqui, para vós, vou assumir
Todos os erros passados
E muitas desculpas pedir.
Peço perdão, aqui e hoje,
Pela forma como tratei
Pessoas que julguei menores
Pela sua raça, bem sei!
A minha soberba fez-me ser
Muito mais do que devia.
Roubei terras e vidas
Só porque me apetecia.
Aos políticos deixo milho
Se quiserem ajoelhar,
Peçam perdão e desculpa,
Pois há muito para falar!
Mas vocês que me acusam
E me apontam o dedo certeiro
Olhai para a vossa consciência
E sejam lá verdadeiros:
Sei que nesta vossa pátria
Há passados para assumir,
Há tantas lágrimas caladas
E racismo a encobrir.
Como é fácil e rápido
Atirar as culpas para Nazaru,
(Ironia) Eu sou mesmo assim tão diferente
De como pensas e ages tu? (Apontando para o público)
E tu?
E tu?
Quantas vezes tu e tu
São racistas sem saber
E dizem à boca cheia:
Se não são Portugueses não quero saber!
Aos combatentes do ultramar,
Deixo um manequim, sem roupa
Para lhes dar um bom abraço
E para lhes fazer a sopa.
E os que, por engano ou não,
Lutaram e defenderam
Os interesses da nação?
Vieram embora com traumas
Mas ninguém lhes deu a mão.
Ai! Espera que minto,
Ouvi dizer que 49 anos passados
Já têm um passe de transporte
Para passear os ossos pesados! (riso)
À crise, amiga antiga
Deixo o meu banquinho de pau
Ao tempo que ela está cá,
Pode sentar-se e olha que não é mau!
O que importa é a inflação
O IVA na massa e no pão,
Mas como aguentar esta vida
Com os vinhos ao preço a que estão?
À cultura vou deixar
Um pedacinho de queijo
Tanta promessa esquecida,
E nada concreto eu vejo!
Vou falar-vos da Cultura
que continua tão esquecida,
Queriam era um gabinete
Ou já esqueceram esta ferida?
De que serve ter palácios
E teatros para entreter
Se depois não há um diretor
Com um plano para fazer?
Mas da vossa miséria
posso eu falar sem segredo,
O preço da água desta Vila
Até me faz cagar de medo!
Por isso queimem Nazaru,
E esqueçam as vossas questões,
Sem dinheiro para a água
beberão estas lições!
Assim, aos habitantes de Vila do Conde
Vou deixar sem mais esperas,
Uma garrafinha de água
Para estas secas severas!
Ai Santa casa que não têm
Nem misericórdia para a pagar
Antes tivessem mais areal
Para na praia morar!
Aos padres e demais envolvidos na vergonha que sabeis,
Deixo uma cana de pesca,
Para morderem o anzol
E ficarem presos, é desta!
Tudo está bem aqui na Vila,
Assim como em Portugal,
Há escândalos na igreja,
Que abalam a moral.
Os representantes da fé
Finalmente foram acusados,
Só espero que haja justiça
E que venham os veredictos esperados!
E vocês que são da Paz,
Até contra mim votaram,
Levantem lá a mão
Contra aqueles que as armas levantaram!
Se na Europa há guerra,
E todos desejam a paz,
Há guerras noutros continentes,
Mas a opinião pública nada faz.
Não há dúvidas, nem para mim,
Que não há justiça na guerra,
Mas não é por ser mais longe
Que me esqueço dessa terra.
E agora que já muito disse,
Ouço o fogo a chamar,
Eu tenho de ser queimado
Para que o é novo possa singrar!
Ai tivesse eu um tacho,
Uma cunha ou um amigo,
Iriam todos respeitar-me
E livrar-me do castigo!
Eu posso mudar de camisola
De cor, de lado ou de ideias,
Se é para ficar melhor
Encanto-vos como as sereias!
Já falei de mais,
Mas mais não digo, não
Despeço-me já por aqui,
Para encanto da nação.
Antes do meu corpo
Se tornar só cinza e pó,
Digo-vos que têm de ouvir
O que vos digo sem dó.
Aproveitem este tempo,
Para pensar sobre a vida,
Que esta história do colonialismo
É ainda uma grande ferida!
Mais uma vez desculpem,
Não sabia fazer melhor
Agora com o meu exemplo
Limpem da mente o bolor!
JUDAS!
Vila do Conde, 8 de Abril de 2023
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